7 de set. de 2020

Sanatório

 E inconformado, ele era eu. Antes da paixão, do namoro, do encontro. Era eu. Ao invés de tomar-lhe a palavra que me resguardaria do seu sim, emudeci. Não! Somente não! Eu me equilibrava na corda bamba da vida. De um lado “se deus quiser”, noutro, “graças a deus” e, entre esses, a Dúvida e a Crença; o Sono e o Som; o Jejum e o Regime; a Fome e o Sexo. Decerto, incertezas, mas, era eu.

As mentiras eram do tamanho do nosso amor. Nossos corpos, nossas bocas, uns cigarros, uns edemas, um frontal entre as fronhas ... levitavam da nossa cama.

Dias sem comer. Sem fome.

E quem me comanda?

- O sol!

Hoje ele não veio. Quem veio, veio me buscar. Enganou-me com seus erros, dopou-me de caprichos, sugou-me para o devaneio de amar. Roubou-me de ti, ó sol!

E lá na minha zona de conforto admito que morri. RESSUSCITA-ME!!!

...

Ele trazia as chaves que abriam as portas do sanatório. Não me abriam. Saí pelo portão da frente como se estivesse fugindo saltando o muro baixo lá nos fundos da casa. Ele não trazia nas mãos poder algum que me libertasse do ópio de um sorriso incerto. Fui como se lá ainda estivesse. O presente tornara-se um outrora na esperança cruel de um amanhã.

Eu andava preso nas anotações de meu caderno de bolso que me acompanhou, incômodo, durante todo o trecho de respiração que eu passei naquele lugar até nascer o presente do presente. Hoje!

Pobre homem de sangue. Suga, podre, o meu leite e disciplina o desejo mais vil da minha mente. No tropeçar de sua língua lhe encontro e me desato de seus encantos. Desencantos.

Retirei do bolso todas as minhas vontades.

Tenho medo e raiva. Num oásis, só um deserto; uma ilha; Paisagens de ar, areia e sol.

 

“ele trazia as chaves que abriam as portas do sanatório. Não me abriam”

“tudo passa, vendo você passando com os demais”

 

Passagem

(Marcio Lima)

 

de tanto comer

de tanto fumar

de tanto você – em mim

penso: vai chover

vou me afogar

em tua lagoa – à margem

 

                        e eu, tô só de passagem

                        e eu, tô só de passagem

 

tentando fugir

um muro escalar

antes de romper – a claridade

vou me esconder

dormir e acordar

depois percorrer – pela cidade

 

e eu, tô só de passagem

                        e eu, tô só de passagem

 

a dor

de ser

um só

me faz olhar

o sol, a lua

vencer

doar

doer

o coração

juntar – cada pedaço

 

e eu, tô só de passagem

                        e eu, tô só de passagem

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