21 de mar. de 2012

A mão da pureza

Que resto de amor, quase nada
Apaguei na parede o cigarro
Desculpei-me com a mãe o meu erro
E acertei com destreza o alvo
Hoje não tenho a mesma força
E caminho sem ter a certeza
Pois a mão só quer mais pureza
E não identificar o preço
Para então me doar sem medo
E amar sem pedir retorno
Minha estrada se fez mão-dupla
Ao deixar o coração sem dono
Logo a mão da pureza veio
Alistou-se no meu desejo
E bem junto ao toque e beijo
Hoje cumpre o seu destino
E deus ama sem pestanejo
E deitando-se perto, entende
A mania do ser humano
Todo dia refaz seu canto
Pra amar sem jamais cobrança
Os corpos querem apatia
Mesmo que por alguns segundos
Minha mente se une à pele
Pra ser deus e guiar o instinto
E rumando em torno ao gozo
A semente quer ser plantada
E brotada no chão sem fundo
Sem dono, sem deus, sem rumo
Pra depois entender na espera
E então esperar na terra
Água pura como tuas mãos
tão suaves deslizam dentro
Pra tentar distrair o que penso
Decidir qual caminho eu sigo
Satisfaço inutilmente
E peço em orações, desfecho
Dar à mão da pureza o toque
E da terra infértil o fruto
E preciso de alguns cuidados
E assim com total sentido
Sou o que já não se esperava


18 de mar. de 2012

Mulatice


Quando me vejo não sei ao certo
Como uma sombra de poeira no universo
De cores mil se ordenado
E minha pele se desconhece
Socialmente suburbano
Não tenho visibilidade
Encaro o mundo com engano
E nos barracos da cidade
Danço meu samba com encanto
A cor do pão, dos pés, do santo
A preta mãe, o papa branco
No afoxé e ave-maria
Na antemão do meu quadrado
Vou me encaixando no meu quarto
Enquadro a fé reveladora
Me entretenho com o cigarro
Dirijo os passos do açoite
As costas choram o sangue iníquo
E resistindo afim da força
O coração bate um bocado
E cria a couraça do desapercebido
Fingindo ser o que sonha
Cantando o mundialmente literário
E a minha pele impõe um preço
Meus cabelos ganham um corte
Nem tão escuro como conviera
Nem tão claro que convença aos olhos
Quero um nome que me apraz
E um ninho menos estranho
Quero desigualmente contestar
E sorrir por mais um ano
Tua beleza  traz ao pensamento
Uma centena de motivos
E a moral, mais que certeira
Escorpiões envenenando
As mentes fracas da visão obscura
Sentem a fome do ostracismo
Como esterco esquecido
Ou ração que nutre a alegria
Herdei tua joia mais pura
O riso que engana o turista
A dança que humilha o passista
A música que emociona despretensiosa
Minha mulatice me leva ao delírio
A mestiçagem é "pau pra toda obra"
E no caminho, a crueldade
Vai criando portas mortas de destino
E na insistência do meu delito
Eu mato a cor e honro o fardo









14 de mar. de 2012

Entendimento

A túnica branca pede um instante a mais de cor
E o sangue carmim invade o universo
O sol sem querer e sem conceder muda o seu tom
E o anil escurece o céu da tua boca
Virá Janaína a forte guerreira varrer o chão
Suas águas invadem e salgam o homem
A minha nudez empobrece o freguês afim de amar
E fantasiosamente me entrego
Meu mundo gira em torno ao coração do ser feliz
A calma não tem assistido na guerra
Diante do trono estão os julgados inocentes do mal
E na minha frente os que ardem no Hades
Vem cá me contar das tais novidades consensuais
Não tenho onde sepultar meu destino
E o céu quer mudar de cor e sua claridade então,
A luz que ofusca apaga o seu brilho
De novo eu visto a farda lavada na iniciação
E assumo a culpa velada no íntimo
Escuto a canção antiga pedindo só gratidão
E os olhos tomam proporções relevantes
Acendo de novo a chama da crença trivial
E a eternidade é minha verdade e decisão
Estão desmatando o cérebro dos que só pensam o mal
Que passam o dia e a noite sonhando
Comi do banquete e fui reconhecido um pecador
Hoje me reservo às lembranças de outrem
Escuta meu povo, só quero socorro e atenção
Me dão do pão fermentado no inferno
Em busca do meu sossego não cumpro regra qualquer
E vou insistindo em ser o que penso
Ao pai que me haja força e a meu orixá de fé
A dor é sapateada no espaço
Eu tenho o corpo fechado pra ter o que me convém
E o deus só me tem imposto limites
Não ligo pro meu pleonasmo se entro dentro de mim
É só pra não esquecer o que sinto
Elevo o incenso e mesclo com outros odores bons
A superação vem ao meu encontro
Por tanta cachaça aos pés derramada, espanto o mal
E o sol me aparece enfim, amarelo.








13 de mar. de 2012

O ócio que enobrece o meu olhar

I
Ter casa e comida não é o bastante
Eu quero a canção
Ter roupa lavada não é importante
Eu quero a nudez
Ter mãos sempre a postos não me gratifica
Eu quero a empatia
Sorrisos e boa vontade, não quero
Prefiro os suores

Amor. Sexo. Desejo. Vontade. 
Ódio. Uso. Repulsa. Ócio.

II


A porta da casa está entreaberta. Propositalmente. Um pouco de gelo na minha bebida. E, mais uma dose no copo. Eis que eu esperava me surpreender como jamais o quisera antes. O perfume doce anunciara sua chegada. Contrastando, a linha fina de fumaça do meu cigarro se elevava.
- Me espanta a tua coragem! - Disse o forasteiro enquanto eu colocava mais bebida em meu copo.- Ser um cidadão de bem não quer dizer nada numa cidade como a nossa. - Completou.
- Aceita uma bebida? - Embalava o copo em sua direção.


E numa breve narrativa, eis que me chega aos ouvidos a ingrata expressão de desaforo:

- Sabe, essa viagem foi completamente diferente. Nesses sete dias que perambulei pelas ruas da grande cidade, percebi que o céu não é tão azul como eu achava. As pessoas são peculiares em suas ações e decisões. - Respondeu-me friamente tomando de uma só vez a medida incomum de bebida. Parecia prever essa conversa. Eis que de repente, como se ainda faltasse o último golpe, uma frase gélida e imparcial confundira meu juízo:


Boa noite! - Saiu da mesma forma que entrou. Exalava o mesmo cheiro de todos os dias.


III
E no breu de todas as manhãs, já acordo e nada de novo enobrece meu olhar. Parados estão os sonhos desde aquela noite em que me desejaste "boa noite". Só não contava que desde aquele último raiar do sol, nunca mais conseguiria ver a claridade das manhãs. Nosso amor se reduziu ao lado da cama vazia. Deixaste-me.

E o rio ainda corre. Os carros andam em velocidades oscilantes. As pálpebras trabalham incessantemente. Vai dia, vem noite. Tudo é noite. Levaste consigo as cores. O vinho deu lugar à cachaça. O sóbrio rendeu-se, qual mendigo que não tem quase nada a perder. Não desgrudo um minuto o lençol que traz impresso, teu cheiro. O que me deixa vivo é o ócio que enobrece meu olhar. Volta, e dê lugar a meus apelos. Devolva o perdão mutuamente invasivo!








Passo Marcado

A mãe guerreira tá bordando
Uns pontos de satisfação
As linhas retas se tornando
As vias do seu coração

Os filhos ficam preocupados
O seu marido se calou
Os seus amigos ocupados
O pano logo se enfeitou

Mais uma vez Deus pôs à prova
Uma batalha se travou
E seus irmãos velando à prosa
E o Pai nunca a abandonou

Um ponto cruz se eleva em cheio
A encomenda nunca cessa
Sua tarefa está ao meio
Purificar-se é sua meta

Só quer um pouco de atenção
Mais um cigarro encontra um jeito
Chorar só trouxe aflição
O sofrimento rasga o peito

Será que já foi o bastante
Terá Deus claro seu desejo?
E no caminho mais adiante
A boca encontrará o beijo?

De filho em filho, neto em neto
Tão implacável o dia-a-dia
Me dói o ser, me dói o feto
Incomparável a alegria

Sente que Deus tem reparado
E não desiste enquanto a obra
Se tenha chegado a cabo
E o coração não se demora

Vontades próprias se aglomeram
E na de Deus só tem um jeito!
Não desistir, enquanto esperam
O amor que emana lá do peito!

Ao centro, esquerda ou direita
Firme e com o passo marcado
A via torna-se estreita
E vai seguindo o seu compasso



















8 de mar. de 2012

sobre nós

O espaço tá ficando escasso, tá deixando rastros de amplidão
A música bate certeira e não resvala-se ao peito

O ponto certo é o encontro reto em curvas inebriadas de emoção
Demanda força de um coração que bate fraco

Em tons de asfalto quente eu peço chuva forte
Em mares de agitação maior, sou mercenário

A minha culpa - o que será da culpa quando encontro a remissão
Os pés descalços e a pressão do pai arruina tudo

Eu gosto mais do doce que o salgado e, de repente sou feliz
Eu tenho um dedo apontado ao que tudo governa

Países entram em guerra e a contradição anula o liberal
Não perceber quem está ao lado me deixa mais confuso

De ponto em ponto tem mais regras que minha noção de distinção
E analiso, reconheço, às vezes até reflito

A qualidade de ser sóbrio só me tem roubado a mansidão
Os filhos fogem para a festa e se embriagam

Conto até dez, respiro o último suspiro, vou viver
A mãe só quer ter-nos presente no calor ou frio

Via-se bela e desterrada - some bem em frente ao seu nariz
O gozo puro e simplesmente já não obedece

O pó, o pois e o porvir se jogam em diversas direções
O preto, o branco e o marrom misturam-se em nossa cabeça

Café, cigarro e uma dose de chicletes pra esquecer da solidão
No mar trafego sempre abaixo, eu sou submarino

Não quero que se desperdice mais sequer um mísero minuto de oração
À quem pedir, chorar, tentar, mendigo ao meu umbigo

Você que pensa que é autoral demais, aplaudo e já não temo a invasão
O meu sinal é teu sinal, eu falo é sobre nós











7 de mar. de 2012

Espelhos da água

Não me surpreendo com os últimos fatos. Parece que a divindade resolveu indicar um caminho. A Luz não depende da vontade do indivíduo. É muito mais intuitiva. 

Nos espelhos escondem-se estórias cativantes.
Precisamos mirá-los para notarmos a presença de quem se exibe. 

E somos à imagem e semelhança daquele que não foi criado. Herdamos dele nossas esperanças. Em torno a mesa estão os que se escondem dos próprios reflexos. Comem do pão e bebem do vinho. Fogem do cão e se aproximam da víbora. Aplaudem os maus e sorriem dos pobres. 

Me obrigo todos os dias a comer da maçã proibida. Afasto da minha eternidade os espíritos passageiros. Escolho esconder meus versos e acender a imaginação criadora. 

Perceba - Os meus olhos não escondem mais a dor insistente. A perda. Eu já não saio à procura do amor inconsciente. Destemido, prefiro me arriscar na consistência dos atos, na reação que desafia. Não podemos resolver todos os problemas que, embora inevitáveis, são como rios que se vingam na enchente. Estão poluindo minhas nascentes. Não posso mais fornecer-lhes água potável. 



O Corpo

I
O corpo aguarda ansioso
de deus a menção honrosa
pois, o prêmio só aos fortes,
será dado irrestritamente

Meu corpo espera indignado
o alimento que o sustente
pois, a carne só aos fortes,
é dispensada aleatoriamente

Meu corpo aguarda relutante
satisfazer-se do opróbrio
pois, o gozo só aos fortes,
será repleto e sem reservas

Meu corpo pede calmamente
compreensão no desespero
pois, a certeza só aos fortes,
traz conclusões definitivas

Meu corpo entende impaciente
que o salário não me basta
pois, tranquilidade só aos fortes,
é antes da noite suficiente

II
Verônica foi surpreendida por uma triste notícia. Ficou sabendo que seu filho mais velho deveria internar-se para tratar o seu problema. Sofria de uma doença degenerativa que, gradativamente, silenciava os movimentos. E, pouco a pouco, inspirada pela palavra divina, Verônica decide entender sua missão. Mais que simplesmente aceitação, sobrepõe-se aquilo que convencionalmente chamamos amor. Fortaleza, destino ou vontade alheia, estão acima de quaisquer inspirações. Acima da dor, do crime e da fome.

- Não pode ser verdade! Novamente!. - sussurrou seu filho, com o rosto cheio de esperanças.

A fé no cristo fica alheia aos seus sistemas. A testa fica tola quando o espírito se perturba. E não há força ou feitiço que sejam capazes de adentrar a cabeça.

- Força meu filho. Deus tem muito mais a dar, já que nos foi tirado o poder de decidir. - Comentou Verônica quase se calando. Na verdade, o silêncio interior lhe cobria a face.

Desde a mais tenra infância,  a mãe do cristo sofria. O poder não foi feito para mulheres. Já o desejo e a espera, são típicos da alma feminina.
E o corpo padece enquanto a mente se inquieta. Desiste, enquanto a fome permanece. Perece, enquanto o espírito busca alívio.






Ações

Força
Pois a mão
Se estende
E os pés
avançam lentamente

Se amam
Eu desejo
Se esperam
Eu concordo

Fuja
Do olhar
Que desvirtua
Do amor
Que não compreende

Pare
E olhe bem para os lados
Dê aos fracos
Sorria ao outro
E julgue

Que caminho seguir
Que boca beijar
E, em que braços
Se esconder

O homem
A mulher
O escudo
A alma
O desejo
A calma
O fato
A ação
O frio
A noite

Quero
Dispenso
Resolvo
Encontro
Entendo
Brigo
Te detesto
Me defendo

Amo
Sugiro
Canto
Encanto
Demoro
Espero


A Cura

Preciso de alimento. Preciso urgentemente de vitaminas. Meu corpo não entende a resposta do gesto.
Vou clamando ao Pai que me favoreça com seus poderes. Assim acontece nos templos. Quero remissão de cada um de meus pecados. Quero a minha parte na herança. Quero igualdade na partilha. Somos irmãos. E o sentimento de isonomia deve superar-se à trama do suspense.

Em meus versos sou tão claro como a noite enluarada.
Veja minha pele. Meus olhos. Minha boca. Meus pelos. Minhas mãos.
Estão carentes de compaixão.
Olha a casa. Os móveis. O carro. O teto. O chão.
Estão clamando cuidado.

O meu trabalho. Minha cela. Meu esconderijo.
Lá ecoa uma voz suplicando justiça.
Minha ideia corresponde ao fato inteiramente.
Meu esforço restitui a paga, antes mesmo do pedido.
O salário não sustenta o meu corpo que sucumbe.
E a esmola gratuita supera qualquer embargo.

Acabo de acender outro cigarro.
E já não vejo a espera promissora.
Os pés encharcam-se da lama que se esconde.
Em meio a vultos da história de uma alma.

E os médiuns se reunirão enfim.
Para o contato com espíritos libertos.
A chave tranca a porta enquanto o cordeiro.
É imolado à impiedade de seu dono.

Exagerada estava a lua em suas curvas.
E sem vergonhas, sem pudores ou excessos,
De lá o brilho ofuscara a pele escura.
E o ocaso da razão rendeu-se à crença.

Todos os dias quando sinto que sou frágil,
Elevo aos céus a minha angústia e os meus sonhos.
De esperança em esperança à terra desce,
O amor fiel que infringe a lei e se corrompe.










6 de mar. de 2012

Mea Culpa

I
Bato no peito doente, de gente, de crente, ou demente, não sente a minha aflição
E com a mágoa perdida, esquecida, mantida dói dentro escondida lá no coração
Quantos pesares sofridos, perdidos, achados, comprados, inchados os meus pés no chão
E de pecado em pecado, me esqueço, obedeço, um terço, desejos de contemplação
Com alegria no frio, umbigo, insosso, sem gosto, sem posto de observação
Basta um pedaço do bolo, do tolo que espera, na fera que grita por satisfação

II
Mais um dia, e não quis ceder novamente
Frente a frente estava eu e os meus opressores
Quando com sorte eu sorria, não bem merecia, mas foi a justiça que veio valente
E corações não resistem ao forte calibre da arma roubada, vendida em troca da droga vulgar
Pois, há mais força no que planta, suores no que colhe e ganância no que vende
E o ciclo produtivo da minha alma se recolhe à insistência da palavra

III
Criam leis e me reservo em obedecê-las
Quando confuso em meio ao homem inoportuno
Minha vontade não se repõe após o ato
E meus desejos ficam sem utilidade

Escandalizo a vizinhança e não me culpo
Pois Deus dissera noutra vez que sou seu filho
Se cada cor viesse aos olhos reivindicando
E cada árvore cobrasse os seus frutos
O que seria do animal antes do abate
E dos perfumes, caso as flores não brotassem?

Vamos fugir pra uma terra ainda deserta
E a compaixão seja o começo da alegria
Os pais não entendem quando os filhos ficam adultos
Em puros mimos a violência chega à pele

IV
Pode ser que alguma alma não entenda
Do teor da minha fala indignada
É que os desejos e vontades tardam à pele
E me entrego à droga menos que outrora

A paciência é tolerante e o espaço se comprime
A dependência me entristece e a cobrança me condena
A cada dia eu entendo mais o homem
Que na vontade espera a noite ansioso

É que os sonhos são como gratas esperanças
De mudanças pois, o céu fica pequeno

Eu enxergo muito mal quem me rodeia
O mesmo cheiro de lembranças, todo dia
Quero apunhalar espertamente a maldade
Pra ver se assim, deus me alivie da agonia

V
Reconheço meus pecados todo instante
O sofrimento vem potente humilhar-me
Como poderá o coração ser punido com a lança
Se a consciência se cala e não assume a culpa?










Sinais

As sementes foram jogadas
O véu negro revestia a pálida face
A canção triste devolvia ao homem seus pecados
E o vento frio alvejava o peito descoberto

As crianças não mais se embalam nas velhas modinhas de ninar
E nem o gosto ambíguo do ósculo convencera minha alma tão fraca de ânsias
Hoje a pele que escondo no escuro, me transmite mais do que poderia dizer

Mais um santo que pede por ti
Mais uma fonte que jorra de águas tão limpas
O meu espírito já não está contrito
E na nuca uma bala atravessa certeira
E designa uma alma confusa

Não comungar mais das mesmas opiniões
Não comerei mais do pão sem fermento
Será que a fome é a causa do óbito
Daqueles que se alimentam do trigo?

Um funeral se estabelece em torno a mesa
As carpideiras já estão - lenços a postos!
Minha fração de fé é logo questionada
Pois o sermão tempera a vida do ouvinte

A cruz incendiara-se gloriosa
Pra definir o que ultraje eu confiava
E na maldade de um tiro ao céu ingrato
Foi como lança que desperdiçara o sangue

O uivo solitário entoa um canto
De sabores, lições e outras manias
O sol raia à pele dos bons e malvados
Qual seria o crime do roubo na falta?

Na esperança do sinal que se aproxima
E que as bocas se encontrem para o beijo
A plenitude nos terá um gosto santo?
Ou, de tão doce na garganta fica amargo!

Virá completo, esplendoroso, sem sequelas
Enquanto o fogo dispersara-se na treva
De lá ressurgirá numa veste transparente
Como um herói a cada síngulo desejo

Espero calmo o milagre oportuno
Que seja ele o sinal tão esperado
Pois tanto amor não caberia em si próprio
Transbordaria avidamente em meu socorro








3 de mar. de 2012

Abandono

A casa foi abandonada
Porque não tinha condição
De esperar o inesperado
De acalentar o ingênuo chão

A paz ficou tão desolada
A caminhada sem teu cheiro
As flores foram arrancadas
O mato cresce em devaneio

Por que você fez isso agora
A porta não se abriu sozinha
Os vidros da nossa janela
Suplicam paz na agonia

O sol atravessou o peito
A lua entorpeceu a mente
As nuvens encobriam a face
A sombra inebriou o crente

Onde andará o proprietário
Daquela casa tão singela
Os móveis esperam lá fora
Quem reivindique sua parcela

Os pássaros tomaram conta
E os contrários fogem alheios
Não há quem forte o bastante
Permita-se vazio ao cheiro

Aquela casa está fadada
Ao solitário, ao homem triste
Espíritos não compartilham
Do mesmo pão, da mesma vide

Agora a rua me acolhe
Lá onde julgo nada ter
Por mais que o mundo desampare
Construo a casa do meu ser

Eu edifico a moradia
Já não sou tanto original
A base só foi instalada
Quando entendi o bem e o mal

Não posso ser tão ortodoxo
E as respostas são moradas
Em meu trajeto não tem vales
Quiçá caminhos ou estradas

E a casa vai ficando longe
Os sonhos são um desafio
Quando a esquina chega rasa
E na virada eu me recrio

O engano velado no íntimo

O céu despencou como uma ingrata esperança
O dia fez-se noite repentinamente
Eis que de repente, as estrelas resistiram à tamanha ignomínia
E a Lua temia a retaliação dos deuses

Eis que então a voz enfurecida saía rastejada como uma cobra:
- Por que me desobedeceste! 

Não se sabia aos olhos do Pai, que tudo conhecera, que as estrelas passam o tempo inteiro enganando. Não sabia aquele que tudo sabe, que a dor mais que a agonia, fica velada no íntimo. Lá onde existe uma série de subterfúgios.

As estrelas reivindicavam um pouco de moralidade aos olhos do Justo. 

E impiedosamente, as flechas surgiram do breu atingindo o coração da alma alienada. 
Aos poucos, o brilho ia se apagando. Penitente. Decadente.
Despencavam uma a uma.

O peito perecera. A alma guardiã dos seus segredos, não resistira mais à traição incestuosa, e, pouco a pouco, corrompeu-se. O preço da resistência é como o engano, velado no íntimo. 

Os crimes se fabricam até quando - "em verdade, em verdade" - mentimos, pois, a cultura da prole responde sorrateiramente aos pedidos do pai. 







2 de mar. de 2012

A voz do homem morto

Palavras brotam enquanto o homem morto ainda fala
Pertença e merecimento se confundem enquanto o trigo fala mal do joio
Decantam-se
Deleitam-se

Espasmos matinais resolvem dar trégua
E o homem chora a perda

O homem se despede do homem
E não entende o quanto a fala foi generosa

Os fatos sequer dizem por si mesmo
E a faca amolada resolve cometer mais um crime

Dia ou noite, o corpo estremece ao vento frio
E palavras de paz se intimidam pela guerra
O poder e seu abuso resolvem deixar o amor de lado
Bastando somente, olhares indecisos que não mais fitam os filhos como antes

O que é o corpo quando o céu resolve descer à terra
E confundir os espíritos que ainda buscam a paz medíocre
E o pai não mais reconhece seu rebento?

A fala modesta desvirtua o foco
E a festa não produz a alegria de outrora

Meus heróis morreram de fome
Suas glórias sanguinárias perfumavam o delírio dos mais fracos
Hoje, não há como aliar-se
Não é possível construir o que foi dizimado
A cruz cravada no peito alivia a dor na alma
Se então o sofrimento me conduzirá ao paraíso
Eu vou aceitando as derrotas quais chão que se abrem à minha frente

A voz do homem morto ainda corrompe a vida que perece

A criação das sombras

Olho ao lado e o que vejo?

Uma porção de gente que não sabe ao certo distinguir o amor do medo;
Pessoas que atiram sobre os calmos, certeiras flechadas de inimizade e compaixão;
Homens e mulheres que se entregam às sortes dos enganos - e;
Umbigos reivindicando atenção.

Me tornei um pescador das mais sensíveis ilusões, como dissera o poeta. Vou catando um olhar daqui, uma ameaça dali. Uma alegria força meu constrangimento que não cessa em me mostrar a própria imagem.
Estão nos olhares as marcas da satisfação. Faço do passado o elo que indica minha proposta. De rupturas e ajustes, o coração vai batendo até o dia oportuno.
Eis que Deus resolvera me dizer o que devo fazer. Criar.
E à sua imagem, me assemelho como uma sombra. Quero almas. Quero sabores e formas. Quero ser enquanto sinto e nas pedras do caminho, a sombra divina que vagueia em busca do arquétipo perfeito, vai embalando o meu sono.
Não há como medir a fome daqueles a quem olho de cima.
Não posso acalentar o interior da alma sofrente.

E de morte em morte, a sombra criativa me acompanha. Me guia.



protesto

  num tempo onde as tragédias são celebradas alguns tantos te querem triste, derrotado levante, sorria para o espelho, para a vida o teu sor...